Não só no Brasil, mas em diversas partes do mundo igrejas precisaram lutar na justiça para conseguir manter suas atividades, como cultos e missas. Isso porque, diversas autoridades alegaram que a reunião dos membros seriam aglomerações capazes de propagar ainda mais a pandemia do novo coronavírus.
Todavia, temos alguns motivos para explicar que a prática da atividade religiosa se difere de outras aglomerações, ao menos se exercida de forma responsável, trazendo benefícios que podem ser grandes aliados contra a propagação da doença de forma direta e indireta. Vejamos alguns abaixo:
01 – A fé estimula a imunidade
Já existe na comunidade científica o consenso de que a saúde emocional de uma pessoa afeta diretamente a sua resposta imunológica contra o desenvolvimento de doenças. A fé, neste caso, está atrelada às emoções, sendo na maioria das vezes um fator de promoção e melhoria da saúde mental.
“Um grande e crescente volume de pesquisas agora documenta os benefícios da fé religiosa no funcionamento imunológico e vulnerabilidade à infecção, infecção viral em particular”, explica o Dr. Harold G. Koenig, do Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento e de Medicina da Duke University Medical Center, nos Estados Unidos.
Harold publicou no ano passado, na Nature Public Health Emergency Collection, um artigo abordando exatamente como enxergar a “saúde e o bem-estar colocando a fé em ação durante a pandemia de COVID-19”.
Citando autores como Pressman e Black (2012); Wilson et al. (2017) e Brown et al. (2020), o pesquisador argumenta que sintomas de ansiedade, medo, sensação de pânico e outros podem aumentar a vulnerabilidade do organismo diante das infecções, enquanto o oposto faz justamente o contrário, fortalecendo o sistema imunológico.
Harold, no entanto, ressalta que “uma atitude arrogante não é uma atitude de fé”, explicando que medidas restritivas devem ser encaradas com responsabilidade, e respeitadas. Ao mesmo tempo, segundo o autor, uma atitude de doação e sacrifício em favor do próximo pode existir se houver a necessidade de socorro, por exemplo.
“Uma razão pela qual o Cristianismo primitivo se espalhou tão rapidamente por toda a Europa e Oriente Médio nos primeiros séculos foi por causa de pragas infecciosas que dizimavam a população na Europa e em países ao redor do Mediterrâneo (Numbers e Amundsen 1986, pp 48–49). Cristãos eram aqueles que se esforçaram para cuidar de cristãos e não-cristãos, muitas vezes arriscando suas próprias vidas para fazer isso”, diz o autor.
02 – O socorro é circunstancial
Tendo como perspectiva a ideia de que é preciso prestar socorro aos necessitados, nos cabe perguntar: o que é uma necessidade? Alguém que está entrando em depressão devido ao isolamento social; ou em pânico; desenvolvendo ideação suicida; tristeza profunda… não são necessidades? Evidente que sim!
O julgamento sobre o que é ou não uma necessidade real de socorro depende de cada circunstância, e é aqui onde entra o importante papel das igrejas (leia-se: templos) como lugares de acolhimento, escuta e consolo.
Considere que há milhões de pessoas que não desfrutam de um convívio social recheado de companhias. Geralmente os idosos vivem mais isolados dos que os jovens, e algumas das poucas atividades que realizam são justamente a religiosa, participando de cultos, missas e outros.
Ainda de acordo com Harold, em seu livro Medicine, Religion, and Health, “ser membro da igreja era o único tipo de envolvimento social que previa maior satisfação com a vida e felicidade” para um grande número de pessoas, o que significa que a falta disso representa um quadro emocional potencialmente contrário, afetando a saúde mental/emocional dessas pessoas.
Com isso, o fechamento dos templos significa impedir que tais pessoas tenham onde receber socorro emocional/mental, e falamos aqui do encontro presencial mesmo, visto que há diferenças significativas entre cerimônias online e presenciais, como veremos no próximo tópico.
03 – A importância do culto presencial
Pensando ainda no contexto da saúde mental, muitos podem argumentar que é possível manter as celebrações religiosas à distância, online, mas há diferenças marcantes que, aos olhos da psicologia, podem corroborar para a defesa do funcionamento das igrejas durante a pandemia.
Quando indivíduos estão condicionados ao convívio comunitário, cria-se um senso de coletividade onde a troca de experiências, quer sejam práticas ou emocionais, como é o caso de cultos religiosos, ocorre de forma plena.
É como estar numa família, onde você se sente “em casa”. Agora, imagine-se sendo forçado a deixar de se reunir com a sua família, podendo ter “contato” com ela apenas virtualmente. Dependendo do tempo de restrição, o impacto emocional pode ser desastroso.
Thomas B. Ellis, professor do departamento de filosofia e religião da Appalachian State University em Boone, na Carolina do Norte (EUA), explicou esse conceito ao falar da importância da fé sobre o sistema imunológico humano, apontando que a participação na celebração religiosa é vital para isso.
“Matar uma galinha realmente cura as pessoas? Não. Mas assistir a um sacrifício de sangue é uma forma não farmacológica de aumentar o seu sistema imunológico e o sistema imunológico das pessoas ao seu redor”, disse ele.
A declaração do Dr. Ellis foi dada em 2017 durante uma palestra em Jerusalém sobre a “Imunologia da Religião”, segundo o Jerusalém Post. Ele não estava se referindo, na ocasião, ao distanciamento social ou cultos presenciais, mas sim sobre a importância do envolvimento da pessoa com a prática religiosa.
Diante disso, é possível dizer que um fiel que assiste um culto virtualmente está igualmente envolvido, se comparado a quem participa da mesma celebração no templo, presencialmente? Suspeitamos que não! A diferença parece marcante, especialmente para os mais velhos, menos habituados com o uso de tecnologias modernas.
O simples fato de ir a um templo, ou seja, se deslocar até ele, é um fator estimulante e benéfico para a saúde mental de pessoas emocionalmente debilitadas, por exemplo. Participar da celebração ao lado de outras, também, ainda que com algum distanciamento. É na troca de olhar, palavras e gestos mediante a presença física do “outro” que se vivencia maior aconchego e sensação de partilha, e esse nível de plenitude relacional nenhum dispositivo eletrônico é capaz de suprir.
Pessoas que perderam entes queridos precisam ainda mais desse acolhimento. Saber que podem contar com líderes religiosos e irmãos de fé em um momento tão difícil é fundamental para a superação do luto. Os cultos e missas são oportunidades para isso.
Em um artigo publicado em janeiro desse ano (2021), Teresa Cutts, da Wake Forest School of Medicine (EUA) e Gary Gunderson, também da mesma instituição, explicaram como a imunidade relacionada à fé se dá por meio das congregações, ou seja, pela ação conjunta dos seus membros.
“As menores congregações respondem organicamente como qualquer fibroblasto”, dizem os autores. “A ‘célula imunológica’ da fé é sua estrutura social – a entidade formadora de fé, geralmente chamada de congregações.”
Em outro estudo, dessa vez de 1997, foi verificado que quem frequenta atividades religiosas possui taxas de mortalidade bem menores devido ao estímulo para hábitos saudávels. “Durante o acompanhamento”, afirma o estudo, “os frequentes eram mais propensos a parar de fumar, aumentar a prática de exercícios”.
É interessante notar, por tanto, como houve uma aumento significativo para o uso de entorpecentes e fármacos durante a pandemia, exatamente como reflexo do isolamento e falta de atividades sociais, como a celebração religiosa, e tudo isso somado torna o indivíduo mais vulnerável a infecções.
Conclusão
Finalmente, acreditar que cultos e missas devam ser mantidos durante a pandemia não significa defender atitudes irresponsáveis. É preciso haver prudência! Podemos defender, sim, que a realização consciente de celebrações religiosas sejam mantidas, pois elas tendem a beneficiar muito mais a população, em vez de prejudicar.
Investir na conscientização coletiva, a fim de que os benefícios psicológicos dos cultos e missas sejam usufruídos parece muito mais sensato e coerente do que a mera proibição generalizada e indiscriminada dessas celebrações.